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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Reencontrando a Felicidade: drama familiar aborda o luto com sensibilidade


Perdas familiares são irreparáveis. Na lei da vida, a única certeza é a morte. Algumas, prematuramente, nos abalam de uma forma avassaladora e nos forçam a viver um luto que pode nos levar a níveis diferentes de procurar continuar vivendo. É essa a temática abordada em “Reencontrando a Felicidade” (no original “Rabbit Hole”, em mais um título nacional lamentável), novo filme de John Cameron Mitchell, baseado na peça premiada da Broadway.
Na trama, Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) formam um casal comum que são surpreendidos pela morte do filho de quatro anos, acidentalmente atingido por um carro enquanto corria atrás de seu cachorro. Sem uma introdução didática do que aconteceu com o garoto, o longa já parte do pressuposto de que o casal vive um momento dramático de luto e superação, evitando se alongar sobre o possível dano que isso causaria à película. A partir de então, o público acompanha o casal por uma longa jornada à aceitação em viver de memórias de uma vida interrompida.
Em seu terceiro trabalho como diretor, após os cultuados “Shortbus”“Hedwig – Rock, Amor e Traição”, o cineasta e também ator realiza um projeto simples e visceral ao mesmo tempo. Durante a projeção, não há expectativas de mudanças ou resoluções fáceis para os protagonistas. Eles procuram, por meio de terapia em grupo com outros casais em situações semelhantes, o consolo que tanto buscam, mas obviamente não é tão simples assim.
A imprevisibilidade da vida é vista a todo momento, como na relação de Becca com a família e na forma como ela e o marido canalizam o luto. Ele, preso aos vídeos do filho, crê que  a terapia o fará aceitar com menos pesar a perda, enquanto Becca mostra o instinto materno extremamente abalado, preferindo se apegar ao que ficou não só da memória, mas da presença física do filho. O luto por parte dela começa a ser trabalhado principalmente quando a personagem estabelece contato com o jovem que se envolveu no acidente e ocasionou a morte da criança. A relação dos dois é o melhor trunfo da película, de onde sai a explicação para o título “Rabbit Hole”, em uma das metáforas mais sensíveis já vistas no cinema.
O filme é de Kidman. Criticada por não ter obras notáveis nos últimos anos, o que aqui discordo tendo em vista os ótimos “A Pele” e “Margot e o Casamento”, ela se entrega plenamente ao papel e restabelece seu talento como atriz. Kidman carrega o filme com brilhantismo não só nos momentos mais sentimentais, mas também nas fugas da personagem ao trivial da vida, em conversas banais ou momentos com a família. Porém, a realidade sempre volta, não será mudada e é preciso ser aceita. Kidman foi indicada ao Oscar pelaperformance, quando na realidade o longa merecia também outros destaques na premiação.
Ao lado dela, Eckhart entrega também uma atuação firme e galgada em um lado dramático pouco trabalhado em sua carreira. A sintonia (ou a falta de sintonia) do casal é maravilhosa, pondo em discussão também como manter um casamento após abalos familiares. Ainda no elenco vale ressaltar a participação de Diane Wiest como a mãe de Becca, poço de experiência cujas cenas são fantásticas (destaque para a do porão, com Kidman), além de Sandra Oh como Gaby, participante do grupo de terapia frequentado por Howie. Sandra é uma atriz magnífica e se afasta completamente do seu atual personagem em “Grey’s Anatomy”, mostrando sua versatilidade e talento.
Com um elenco competente, não deve ter sido difícil arrancar atuações tão magníficas. Adaptado ao cinema pelo próprio autor da peça teatral, David Lindsay-Abaire, vemos uma trama sem grandes eventos, baseada fortemente no psicológico e  na reconstrução de vidas. Este é o principal acerto do roteirista, que não apela a momentos epifânicos ou desesperadores demais que pudessem atrapalhar o fluxo da trama. Aliado ao ótimo texto, Mitchell assume a direção com brilhantismo e sensibilidade, focado em um registro mais forte das realidades vistas em cena e apoiado pela fotografia cuidadosa e sequências contemplativas.
Contemplação que, por sinal, tem seu grand finale na sequência muda dos protagonistas. Daí tiramos a lição de que não adianta ignorar a severidade da vida, muito menos achar que ela melhorará logo. Nem sempre. A realidade é que o luto, assim como tudo na nossa trajetória, tem seu tempo e, pior ainda, pode durar para sempre. Às vezes, como dito por uma das personagens, a ausência fica mais aceitável e até esquecemos do que perdemos, até que um mínimo detalhe nos traz de volta toda a verdade. O que temos a fazer é continuar vivendo. Um filme sensível ao extremo e que deve arrancar lágrimas mais de uma vez.
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Diego Benevides é jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.


De Cinema com Rapadura

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