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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Manhattan: a maior das homenagens de Woody Allen a Nova York


Primeiros momentos de filme. O personagem principal, sob interpretação do próprio Woody Allen, busca a descrição perfeita para introduzir a história que acompanharemos a partir dali. Político, filosófico, religioso, sexual, cômico. Ele demora minutos para definir qual tom que suas frases subsequentes devem possuir. Tudo porque a primeira delas não muda. Já está definida. “Ele adorava Nova York”. É assim que Allen inicia a maior de suas homenagens à cidade que virou símbolo de seu cinema. E não é coincidência que este também seja um de seus melhores trabalhos em mais de quarenta anos de atividade.
Também não é por acaso que o longa se chame “Manhattan”, o bairro principal da maior e uma das mais bonitas cidades do mundo. A intenção de usá-la como personagem é quase explícita. Os já comentados primeiros minutos de duração possuem como pano de fundo tomadas que a exaltam, exibindo seus imponentes arranha-céus, pontes e monumentos. O resto da história trata de ressaltar seu lado artístico, visitando museus, assim como não esquecendo de tratá-la como um lugar tranquilo, utilizando o Central Park como uma de suas locações.
Mas o filme não se resume a contemplar Nova York. Woody Allen se livra das cores e conta a mais clássica de suas tramas em preto e branco (deixando a cidade ainda mais impressionantemente bela). O romance é o tom principal da fita, colocando o protagonista Isaac (Allen) no meio de um imbróglio amoroso, que tem de um lado a beleza juvenil de Tracy (Mariel Hemingway) e de outro a intelectualidade de Mary (Diane Keaton). Ele tem de lidar ainda com a “concorrência” do melhor amigo, assim como com as intenções literárias da ex-esposa, que o trocou por uma mulher.
No auge de sua forma como roteirista e diretor, já que nos dois anos anteriores havia lançado nada menos do que “Interiores” (uma digna refilmagem de uma das maiores obras de Ingmar Bergman) e “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (que lhe rendeu alguns Oscars), o cineasta faz um trabalho que tem a sua assinatura. Seus diálogos estão afiadíssimos, conseguindo unir o seu humor crítico e de timing perfeito (mesmo que em menor escala) com o desenvolvimento da proposta romântica (mais intensa do que nunca), dando ao longa uma harmonia invejável, que leva das risadas a melancolia em questão de segundos, sem sequer provocar estranhamento.
A impressão é de que Allen quer fazer a sua versão de “Casablanca”. E para tanto bebe comedidos goles da estética e narrativa contada por Michael Curtis em 1942, acrescentando-as às suas próprias, dentro de seu próprio mundo. O jazz da trilha sonora de George Gershwin dá um ritmo mais lento e menos cômico. A fotografia de Gordon Willis faz das imagens pinturas, condizendo com um texto extremamente preocupado em desenvolver suas relações afetivas, que se não querem virar históricas, tem tudo para durarem bastante, pelo menos na mente do espectador. Com mais inocência do que o usual, Woody Allen faz com que “Manhattan” seja o mais sentimental e delicado de seus filmes.
Com a sempre competente colaboração de Diane Keaton, sua musa dos anos 70, o diretor remonta seu típico envolvimento amoroso conturbado entre duas pessoas inteligentes e de opiniões formadas. Num primeiro momento, Mary surge como tudo que Isaac mais despreza: a pseudo-intelectual que faz questão de desqualificar vários de seus ídolos (entre eles, o próprio Bergman). A rivalidade cômica, porém, vira amor, o que Allen transforma com elogiável graduação, sem atropelar barreiras, inclusive guardando o primeiro beijo do casal para um momento especial.
O que faz do longa uma obra-prima inesquecível, porém, é a mais inocente das relações. Mariel Hemingway (ainda em início de carreira) encarna com altas doses de doçura a apaixonante Tracy, uma menina de 17 anos que jamais deveria formar um par com um homem neurótico. No entanto, a mão leve da direção e as interpretações de Allen e Hemingway fazem da união algo agradavelmente inusitado. É como se Isaac se rendesse a beleza e o carisma da jovem e, para tanto, deixasse de lado seu espírito crítico, permitindo-se protagonizar um tórrido beijo à luz da lua, em cima de uma antes brega, mas agora irresistível carruagem.
Com um olhar mais amplo, a relação significa ainda a pura entrega de um personagem presente na maioria dos filmes do cineasta e, que dificilmente, deixava-se levar pela emoção (pelo menos nunca por motivo de uma estudante ainda em saída da escola e desconhecedora dos artistas que você idolatra). Mas a Nova York de “Manhattan” tem um ar envolvente que dá vontade de fazer você viver seu amor eterno, mesmo que você seja o alterego de Woody Allen e mesmo que tudo dure apenas alguns meses. Afinal, a memória sempre fará com que Isaac e Tracy (e consequentemente o espectador) sempre tenham Nova York.
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Darlano Dídimo é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.


De Cinema com Rapadura

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