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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Filadélfia: um marco na luta contra os mitos que cercavam a Aids


Hollywood tem total consciência de sua importância para a sociedade para além do entretenimento. Em sua longa vida, a indústria do cinema norte-americano cansou de ajudar a disseminar discussões e lutas a favor de direitos civis de uma maneira em que todos, de crianças aos idosos, foram afetados. Com eles, as mulheres ganharam voz. O Oscar concedido a Hattie McDaniel, em 1939, quando os negros ainda sentavam nos bancos de trás dos ônibus, é um marco sem precedentes. A Aids também ganhou a sua atenção. Em 1993, “Filadélfia” chocou e emocionou o mundo ao falar sobre a temida doença, quando ela ainda era cercada de mitos e preconceitos.
Para se ter uma noção de tempo mais adequada, é necessário informar que, no período, a Aids atravessava o seu “auge”. A infecção e a morte de famosos aumentavam a repercussão acerca da temática. Em 1991, Magic Johnson informou ser soropositivo, bem como Freddie Mercury faleceu em decorrência de complicações da enfermidade. Dois anos mais tarde, o mesmo aconteceu com o tenista Arthur Ashe, enquanto o Dia Mundial dedicado à doença pedia “Previna-se da vida, não das pessoas”.  No entanto, nada pode ser mais amedrontador do que os números da OMS: mais de 10 mil infecções diárias eram registradas.
No mundo ficcional, entre eles estava Andrew Beckett (Tom Hanks), um dedicado advogado, que entre as horas de intenso trabalho, precisava ir ao hospital tomar a sua medicação com o objetivo de amenizar os efeitos do vírus HIV. Mas tudo às escuras. No escritório, ninguém aparentemente sabia de sua condição. Aparentemente. Uma surpreendente promoção, porém, é seguida de uma ainda mais chocante demissão, justificada pelo desconfiável sumiço de importantes documentos. Beckett, então, não desiste. Vai à justiça, com a ajuda do ambicioso advogado Joe Miller (Denzel Washington), para provar que tudo não passou de um desprezível ato de preconceito de seus antigos chefes.
Roteirizado por Ron Nyswaner, o longa não tem receios de levantar bandeiras. Trata-se de um filme-panfleto que está disposto a disseminar ideias e informar o público. Por vezes, chega até a apropriar-se de um chato didatismo, como na visita de Miller ao médico depois de apenas cumprimentar Beckett. Mas não é só a Aids quem recebe atenção. O fato de o protagonista ser gay faz as discussões inflarem-se ainda mais, em uma escolha corajosa de Nyswaner que poderia levá-lo a uma situação clichê sem saída. Ligar o vírus à homossexualidade era associação imediata no século passado, o que o filme faz questão de desconstruir.
Para tanto, apresenta-nos a um protagonista complexo, em um estudo de personagem minucioso. Beckett é, acima de tudo, um profissional responsável, que nem em situações de crises de saúde deixa de lado suas obrigações no escritório. Integra também uma linda família que já aceitou sua condição, por mais que os olhos de sua mãe revelem um pouco de “pena” e medo do que está por vir. Eles sabem que os medicamentos apenas estão retardando a vida do rapaz. Aliás, o próprio Beckett sabe. Sua expressão ao acompanhar outros soropositivos em estado mais avançado da doença (sofrendo com a magreza e o péssimo estado de suas veias) é a constatação de que ele já se prepara para o inevitável.
A história, porém, não se limita a acompanhar o seu sofrimento. Joe Miller também recebe a devida atenção do roteiro. Na verdade, não seria inadequado chamá-lo também de protagonista. A trama opta por dar a ele a função do preconceituoso cuja ânsia por dinheiro o leva a se confrontar com uma dura realidade e com a própria limitação de seu caráter. Por mais que uma boa relação entre ele o cliente soe inadequada, o roteiro e as performances dos atores fazem com que suas divergências dêem lugar, senão a uma amizade, pelo menos a uma preocupação que provoca a afeição do público.
A trama perde qualidade, no entanto, ao alongar demais suas sequências nos tribunais. Muitas delas são louváveis, deve-se ressaltar, mas a forma explícita como a mensagem do filme é repassada nestas cenas incomoda. Outro erro é a opção por demonizar os “vilões” da história. Os chefes de Beckett mais parecem caricaturas do que pessoas verdadeiras, nunca sendo aberto espaço para que uma dúvida surja no espectador. Do começo ao fim da película, sabemos que tudo não passou de uma grande armação.
Neste quesito, a culpa também pode ser creditada ao diretor Jonathan Demme, em trabalho posterior ao premiado “O Silêncio dos Inocentes”. Ele aposta em uma forte carga dramática que chega ao seu ponto alto quando Beckett aprecia uma bela ópera, emocionando com um desfecho comum, mas que funciona em parte pela belíssima música “Streets of Philadelphia”, de Bruce Springsteen.
Demme ainda permite que seus atores brilhem. E eles o fazem com enorme competência, sendo esta a principal força de “Filadélfia”. Denzel Washington faz o seu recorrente personagem mal-encarado ter coração, enquanto Tom Hanks dá camadas e mais camadas de profundidade a Beckett.  O ator, que venceu o Oscar pelo papel, encarna um personagem já bem escrito que se tornou ainda mais marcante pela época de lançamento do longa. Comovendo e fazendo o público refletir, a obra é daquelas que se tornaram referência muito mais pela coragem do que pelos incríveis méritos.
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Darlano Dídimo é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.


De Cinema com Rapadura

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