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domingo, 20 de março de 2011

Jogo de Poder - Crítica


O diretor Doug Liman foi um dos responsáveis por trazer de volta à tona os filmes de espionagem, revitalizando o gênero com “A Identidade Bourne”. No entanto, enquanto a franquia Bourne evoluiu com Paul Greengrass nos filmes subsequentes, Liman acabou engatando uma série de fitas pouco memoráveis como “Sr. & Sra. Smith” e“Jumper”. É irônico que o cineasta venha a se recuperar em uma película que, baseada em fatos reais, desconstrói o mundo da espionagem em meio a um suspense político tenso e, de certo modo, assustador.
O roteiro de “Jogo de Poder” é baseado nos livros “Fair Game” e “The Politics of Truth”, escritos respectivamente por Valerie Plame e Joseph Wilson, cujas versões cinematográficas são os protagonistas do longa, que se passa alguns meses após os atentados de 11 de setembro.
Na trama, Valerie (Naomi Watts) é uma operativa da CIA cujo trabalho é realizar contatos com possíveis colaboradores da agência de inteligência americana em territórios hostis. Para tal ofício, a agente necessita do total anonimato, com seus amigos pessoais crendo que esta trabalha em uma empresa de capital de risco.
Uma das responsáveis pelo setor anti-proliferação de armas de destruição em massa, Valerie vê a CIA sendo cada vez mais pressionada pelo gabinete do Vice-Presidente para afirmar que o ditador Saddam Hussein possui armamento nuclear e biológico.
O marido da espiã, o diplomata Joe Wilson (Sean Penn), é um idealista ex-embaixador estadunidense que é chamado para auxiliar a CIA em uma investigação sobre uma suposta compra de uma forma de urânio, conhecida como “yellowcake”, por parte do governo iraquiano junto à paupérrima nação do Níger. Joe descobre e relata oficialmente que tal transação jamais poderia ter acontecido, desagradando o governo.
Durante o discurso do Estado da União, o Presidente George W. Bush afirma que o Iraque comprou o “yellowcake” do Níger. Indignado, Joe escreve um artigo para o The New York Times relatando a farsa, o que deixa a Casa Branca em uma péssima situação. Em retaliação, o governo americano divulga a identidade real de Valerie, pondo em risco não só as várias operações da agente como também a própria vida dela e de sua família.
A grande força do longa de Liman resta no retrato fiel da situação política dos EUA durante o período da chamada “doutrina Bush”. Qualquer um que se opusesse ao governo, mesmo com os fatos e a verdade ao seu lado, era tratado como se fosse um inimigo do Estado, que deveria ser escorraçado pelos verdadeiros patriotas. Tais “patriotas” ganham a voz e o apoio da ala direitista da imprensa estadunidense, com Doug Liman não tendo papas na língua para dar nome aos bois. O medo e a paranóia do povo americano foram utilizados pelo Governo para transformar a população em massa de manobra através dos meios de comunicação, algo que foi explicitado pela produção de maneira bastante fiel.
Ao contrário do clichês de filmes de espionagem, os escritórios da CIA são mostrados de um modo totalmente desprovido de glamour, contando com salas com paredes desgastadas e até equipamentos não tão modernos, mesmo para os padrões da época. Tal decadência das estruturas físicas reflete a degradação moral das instituições, cujos membros mais “fiéis” aos interesses da corja de Bush são premiados, não a despeito, mas por causa de sua incompetência e corruptibilidade.
A fita acaba fortalecida pela decisão de seu diretor de se utilizar de imagens de arquivo para mostrar os discursos de Bush afirmando que o Iraque possuía armas de destruição em massa, bem como diversos trechos de reportagens sobre o avanço da guerra e do caso envolvendo o casal principal.
Há um momento em que temos um corte entre uma transmissão da CNN sobre os bombardeios no Iraque e a fuga de um personagem iraquiano para se refugiar em sua casa que ilustra perfeitamente esse equilíbrio entre imagens de arquivo e as cenas dramáticas da produção. É uma pena que o filme, durante seus créditos finais, quebre tal equilíbrio ao mostrar um depoimento real.
Naomi Watts está fenomenal como a espiã revelada. Watts cria uma personagem extremamente complexa, dedicada à Agência e à sua família, que passou por traumas terríveis durante seus anos servindo ao seu país, mas que jamais deixa isso transparecer conscientemente. A natureza pragmática de Valerie e a facilidade com qual ela consegue mentir é algo bem explorado pelo filme.  O conflito das lealdades da protagonista é bem estabelecido pela trama e contribui para que nos liguemos àquela figura, que vê sua família em colapso por conta da traição que sofre mas, mesmo assim, reluta em contra-atacar.
Sean Penn faz um belo trabalho de composição com o seu Joe Wilson. Apesar disso, aperformance do ator acaba sendo um tanto quanto prejudicada pelo roteiro da fita. Sim, durante boa parte do tempo “ouvimos” realmente a voz do personagem, que transmite sua mensagem de maneira real. No entanto, em certos momentos, essa voz é substituída por um discurso panfletário simplório.
A força da interpretação de Penn jaz em suas cenas com Naomi Watts, com a química da dupla nos fazendo crer na intimidade daquele casal. Momentos simples como Joe acalentando Val durante um pesadelo ou uma piadinha doméstica eventual são lembretes que os intérpretes nos dão da importância de um personagem para a vida do outro.
Liman também assina a direção de fotografia da produção e parece bastante influenciado pelo trabalho de Paul Greengrass em “Domingo Sangrento”, adotando uma estética quase documental, se utilizando muito da câmera de mão. Só não entendi o motivo da relutância do cineasta em mostrar o rosto de Sam Shepard, que faz uma participação como o pai de Valerie.
“Jogo de Poder” é um filme assustador sobre os limites éticos morais e legais que um governo canalha pode ultrapassar para proteger nãos os interesses de seu povo, mas seus próprios interesses e como isso pode refletir de maneira pesada na vida de cidadãos de bem. No entanto, como dito em “V de Vingança”, o povo não deve ter medo de seu governo, o governo deve ter medo de seu povo. Valerie Plame e Joe Wilson provaram isso.
PS: Uma recomendação aos leitores – Após assistirem “Jogo de Poder”, vejam também “Zona Verde”, do já citado Paul Greengrass. Ambos os filmes possuem uma ótima rima temática e merecem ser visto juntos.
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Thiago Siqueira é advogado por profissão e cinéfilo por natureza. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

De Cinema com Rapadura

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