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domingo, 16 de outubro de 2011

O Filme dos Espíritos: produção é mais um tropeço do cinema transcendental


A obra de Allan Kardec “O Livro dos Espíritos”, além de ser o tao da doutrina espírita, é uma peça literária bela, que tocou inúmeras vidas no decorrer destes mais de 150 anos desde sua publicação. Merece elogios a ideia do roteirista e co-diretor André Marouço de não adaptar um livro inadaptável para as telas, mas sim ilustrar seu impacto no mundo. É uma pena que essa seja uma das poucas coisas a serem elogiadas em “O Filme dos Espíritos”.
Preliminarmente, deixo claro que este texto não é sobre a doutrina espírita, mas sobre um filme, devendo ser encarado apenas como uma crítica cinematográfica. Dirigido por Marouço e Michel Dubret, dizer que este longa é uma bagunça é um eufemismo. Fotografia, montagem e trilha sonora são alguns dos grandes problemas da produção, que mais parece um trabalho para a TV do fim dos anos 1990.
A trama é focada principalmente em Bruno (Reinaldo Rodrigues), um professor de psicologia que, perde sua esposa para o câncer. Se vendo viúvo e desempregado, ele cai vítima do alcoolismo, sendo ajudado por seu antigo professor (Nelson Xavier), que acabou de descobrir que também está com um agressivo tumor maligno. Em doses menores, temos as histórias de uma moça prestes a perder a mãe também para o câncer, de um garçom ex-presidiário e de dois homens que trabalham em uma funerária, com um deles tendo a habilidade de falar com os espíritos dos mortos.
De cara, já percebemos que o filme possui um defeito gravíssimo: são muitos núcleos com subtramas demais para 98 minutos de projeção. Nisso, muitas dessas histórias são desenvolvidas às pressas e com resoluções tiradas de lugar nenhum. O pior é que algumas dessas tramas (em especial a dos agentes funerários) simplesmente não possuem sentido nenhum dentro da película. Alguns diálogos são absurdos, como os do garçom e sua vizinha, gerando momentos de claro humor involuntário.
Ainda temos uma cena deveras dispensável de Bruno com sua madrasta, em uma participação especial (e totalmente descabida) de uma envelhecida Luciana Gimenez. Por mais que o trabalho de maquiagem na apresentadora tenha sido bem realizado, o fato é que ele era desnecessário, gerando ruído em um momento totalmente descabido. Outro detalhe bastante incômodo é a direção de arte do filme, extremamente asséptica. Nunca vi uma casa do sertão nordestino dos anos 1940 tão limpa e com aparência de nova, tornando o que vemos ali muito artificial, como se nada tivesse sido usado antes.
Nos poucos momentos em que a fita tenta engrenar, seus realizadores parecem sabotá-la. Os diretores, aparentemente, não gostam muito dos bons atores de seu elenco, desperdiçando totalmente Nelson Xavier e Ana Rosa, algo que fica nítido na cena em que o personagem de Xavier revela a sua esposa que está com câncer, com a câmera simplesmente não nos deixando ver a reação dos personagens. Nem mesmo um áudio em off nos é oferecido! Outro erro pesado da fotografia é uma inexplicável alternância entre câmera de mão e fixa, com o quadro se movimentando de maneira absurda em momentos que não pedem por isso.
Na montagem, a situação não melhora. Tentando dar algum dinamismo a algumas cenas, somos bombardeados por diversos planos-detalhes totalmente despropositados de objetos que nada acrescentam à narrativa. Aparentemente não tendo noção do conceito de elipse, os montadores da fita nos fazem engolir coisas como dois personagens aparentemente fazendo sexo logo após um aborto e sequências intermináveis de bebedeira por parte de Bruno, sendo que esse tempo seria muito melhor usado para dar mais detalhes de quaisquer das incontáveis subtramas do filme, por exemplo.
Mas o principal pecado do longa é querer martelar uma mensagem na cabeça do espectador, ao invés de deixá-la fluir por meio da história. As tramas simplesmente PARAM por vários minutos para dar lugar a um infomercial das Casas André Luiz. Sim, o trabalho dessa instituição é importantíssimo, mas o objetivo não era fazer uma peça publicitária, era? Ao menos a mensagem anti-aborto aqui é mais integrada ao roteiro do que foi em “As Mães de Chico Xavier” (o que não quer dizer muita coisa), mas tal integração se dá em uma forçadíssima sessão espírita, que é atirada de qualquer jeito no fim da produção, sem nenhuma preparação para o público.
Frouxo, sem ritmo e jogando contra o seu bom elenco, “O Filme dos Espíritos” pouco homenageia a obra de Kardec, deixando o livro e seu impacto de lado, se assemelhando a uma criança com dificuldades em se concentrar e mudando seu foco a cada minuto. Kardec merecia uma homenagem melhor.
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Thiago Siqueira é advogado por profissão e cinéfilo por natureza. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.


De Cinema com Rapadura

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